Município debate desafios e estratégias para apoiar cuidadores informais

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Consciente da importância crescente dos cuidadores informais na sociedade portuguesa, o Município das Caldas da Rainha organizou, no dia 3 de junho, na Biblioteca Municipal, a tertúlia “Cuidar de quem Cuida – Estratégias para a promoção da qualidade de vida e bem-estar nos cuidadores informais”. Promovida em parceria com a Unidade Local de Saúde do Oeste, o Instituto da Segurança Social e o Campus Neurológico de Torres Vedras, esta tertúlia procurou dar visibilidade ao trabalho muitas vezes invisível dos cuidadores informais.
Tertúlia sobre estratégias para a promoção da qualidade de vida dos cuidadores informais

A iniciativa, moderada pelas enfermeiras Teresa Manteigas e Maria Eduarda Pereira, da Unidade Local de Saúde do Oeste, teve como principal objetivo criar um espaço de diálogo, partilha de experiências e reflexão sobre os desafios enfrentados por quem, diariamente, presta cuidados a familiares ou pessoas dependentes, muitas vezes sem apoio formal e em contextos exigentes.

Na sessão de abertura o diretor do Centro Distrital da Segurança Social de Leiria, João Paulo Pedrosa, disse que esta é uma das respostas sociais “com maior potencial para o futuro” e defendeu um alargamento substancial do estatuto.

Enquanto foi deputado na Assembleia da República participou na elaboração do Estatuto do Cuidador Informal. “Foi um processo longo, pensado durante muitos anos, e só aprovado em 2019”, sublinhou.

João Paulo Pedrosa revelou que, inicialmente, o Governo teve receio de um excesso de pedidos, porque “nem o Estado nem as autarquias teriam meios para isso. Por isso, o acesso foi muito limitado no início”.

“Felizmente, o Estado tem vindo a abrir a malha. E espero que abra muito mais. Porque esta é uma medida que faz a diferença na vida de milhares de famílias”, salientou,

Para ilustrar, apresentou dados do distrito de Leiria. “Já temos 809 pessoas com o estatuto de cuidador informal. Nas Caldas da Rainha, são 88 cuidadores para 90 pessoas cuidadas. Há quem cuide de mais do que uma pessoa”, contou.

Apesar dos avanços, João Paulo Pedrosa sublinhou que ainda há um longo caminho a percorrer na valorização do cuidador informal. “Algumas das pessoas que obtiveram o estatuto recebem uma retribuição, mas é pequena e muito restrita. No futuro, este apoio tem que ser alargado”, defendeu.

Ainda assim, destacou os direitos que o estatuto já confere. “Têm direito a formação, acompanhamento, algumas vantagens no emprego”. Para o diretor da Segurança Social de Leiria, o mais importante é o “plano individual de cuidados, feito por uma técnica da Segurança Social e uma enfermeira do Centro de Saúde, que acompanham o cuidador e a pessoa cuidada no domicílio”.

Nas Caldas da Rainha, exemplificou, esse acompanhamento tem sido efetivo. “Já foram feitas 194 visitas domiciliárias. As nossas colegas vão ver em que condições está o cuidador, se está saturado, se tem condições para continuar a cuidar. E isso faz toda a diferença na vida destas pessoas”, alertou.

João Paulo Pedrosa apelou a um reforço da compensação financeira para quem cuida. “Hoje, um cuidador informal pode receber pouco mais de 100 euros. Mas o Estado paga mais de 300 euros por um serviço de apoio domiciliário e mais de 600 euros por uma vaga numa estrutura residencial para idosos (ERPI)”.

Nesse sentido, defendeu que se em vez de institucionalizar as pessoas, o Estado “pagasse melhor aos cuidadores informais para cuidarem em casa, todos ganhávamos. O Estado poupava, e era uma solução para a falta de resposta”. “Temos três milhões de pessoas com mais de 65 anos e um milhão com mais de 90. Precisamos de respostas, porque as estruturas existentes são insuficientes”, adiantou.

“Um filho desempregado que cuida do pai ou da mãe e que recebe a reforma deles pode, com este apoio, ter alguma estabilidade. E esse pai ou mãe, em muitos casos, estão melhor cuidados em casa pelo filho do que numa instituição”, referiu.

 Cuidadores também precisam de ser cuidados

O presidente da Câmara das Caldas, Vitor Marques, destacou a importância de valorizar o papel dos cuidadores informais, que muitas vezes “sem recursos nem meios, assumem responsabilidades que caberiam ao Estado”.

O autarca reconheceu que as respostas estatais e das instituições sociais “são importantes, mas não chegam a todos”. Por isso, considera essencial envolver as famílias e a comunidade nestes processos de cuidado, reforçando a necessidade de olhar para os cuidadores informais com mais atenção.

“É preciso valorizar estes cuidadores pela importância que têm, mas também lembrar que os cuidadores, eles próprios, precisam de ser cuidados. Muitos sentem-se desamparados e sozinhos, e isso não pode ser ignorado”, afirmou.

A enfermeira Alexandra Cosme, da Unidade de Cuidados de Saúde Primários da Unidade Local de Saúde do Oeste, sublinhou a necessidade urgente de reconhecimento oficial e valorização do cuidador informal, muitas vezes invisível, mas essencial. “É fundamental que se criem redes de apoio, onde os profissionais de saúde possam colaborar e acompanhar os cuidadores, oferecendo orientação, formação e suporte emocional. Só assim será possível garantir uma resposta mais humana e eficaz às necessidades das pessoas em situação de dependência”, afirmou.

A moderadora da tertúlia, Teresa Manteigas, enfermeira especialista em Saúde Mental, reforçou a relevância dos cuidadores informais não apenas no plano afetivo, mas também no equilíbrio social e económico do país. “Cuidar do cuidador informal não pode ser visto como um gesto de boa vontade, mas sim como uma responsabilidade partilhada por toda a sociedade”, salientou.

Já a enfermeira Maria Eduarda Pereira, que também foi moderadora da iniciativa, apelou ao presidente da Câmara das Caldas que dê o primeiro passo para criar uma Comunidade Compassiva das Caldas da Rainha, uma iniciativa de voluntariado que se disponibiliza para dinamizar atividades que promovam o bem-estar junto de pessoas com doença avançada, dos seus cuidadores e das suas famílias.

Cuidar em contextos complexos

A psiquiatra Patrícia Frade, da Unidade Local de Saúde do Oeste, partilhou a sua experiência clínica no acompanhamento de pessoas com perturbações mentais graves, destacando a importância da integração comunitária e do apoio às famílias. “Na prática clínica, lidamos diariamente com situações complexas que envolvem não só os doentes, mas também os seus familiares. Muitos destes casos dizem respeito a doenças mentais graves, deficiência intelectual ou problemas relacionados com adições, como o alcoolismo, que continuam a ter um impacto profundo nas dinâmicas familiares e sociais”, referiu.

A especialista sublinhou que a institucionalização deve ser sempre o último recurso, sendo prioritário que o doente permaneça o mais possível integrado na comunidade. “As estruturas comunitárias são fundamentais neste processo, pois oferecem o suporte necessário para promover uma vida mais autónoma e digna. O envolvimento das famílias é essencial e, por isso, são sempre acolhidas e acompanhadas nestes contextos”, afirmou.

A neurologista Catarina Damas, do Campus Neurológico de Torres Vedras, destacou a importância da literacia em saúde para quem cuida de pessoas com doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer.

A especialista alertou para o peso emocional e físico que recai sobre os cuidadores informais, muitas vezes familiares diretos, que lidam diariamente com a progressiva perda de autonomia dos seus entes queridos. “É fundamental apoiar estas pessoas, não só com formação adequada, mas também com estruturas que lhes permitam algum descanso e suporte psicológico”, concluiu.

Catarina Carvalho, assistente social no Centro Distrital de Leiria da Segurança Social, destacou a falta de informação e a complexidade do processo de reconhecimento oficial como principais obstáculos ao registo de cuidadores informais. “Muitos cuidadores ainda não solicitaram o reconhecimento porque desconhecem a medida, ou porque desistem devido à burocracia envolvida”, explicou.

 

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